sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Dia de Pai

Meu pai, 
'papai' como o chamava... 
ja faz algum tempo nao vejo seu sorriso doce, exceto aquele da foto na entrada 
da sala, na casa de mamãe.
Nesse seu sorriso bondoso, ao xhegar aqui, ha 16 dias atrás, pude quase ler uma mensagem de alerta: "aproveitem bem sua mãe, pois ja a deixei muito tempo com voces. Agora tô com vontade de vê-la ao vivo e em cores!"
Ja se vão 15 anos desde que voce se foi, pai, e não tem um dia que essa sua amada acorde e nao relate um encontro com você aí pelo astral.
Comeca assim:
"Sonhei com seu pai...."
Sempre uma paisagem diferente, uma fala nova, uma roupa limpa, mas, em comum, sempre o fato de você estar lhe construindo uma casa que, diz ela, está quase pronta.
No inicio, ficávamos revoltados, e em coro, lhe diziamos: "Pára com isso, papai. Mamãe ainda tem muito o que viver com a gente!"
Aos 96, um tanto cansadinha de sofrer, e tambem por não conseguir mais ser útil, como ela diz, mamãe me soltou essa uns dias atrás:
"É, acho que agora, se o seu pai me chamar, tá na hora de eu aceitar; a casa lá deve estar pronta!"
O coração gelou. Os olhos esbugalharam e derreteram as lágrimas endurecidas.
Não posso ser egoísta, e deixar de pensar no amor de vocês (como e ruim a gente ficar longe da pessoa qye amamos). Penso naquele último beijo a que assisti chorando, no hospital, antes de você partir. Na ânsia que o levou a declarar: "se sua mãe ficar doente, pode acreditar que eu morro antes!" E morreu.
Foram 58 anos ao seu lado, vivo. E já 15 anos se encontrando nesse universo paralelo.
Almas gêmeas, chamas que nao se apagam, e seguem juntas, a despeito de não estarem na mesma dimensão.
Para mim, que conheço um pouquinho sobre uma tal de física quântica, sei bem que vocês estão lado a lado, aparentemente separados apenas por um tênue fio, cuja transparência não nos permite enxergar, com nossos olhos humanos, os beijos que você ainda lhe dá.

Na sala, a foto do João Bosco, próxima da sua, parece também me dizer, com aquele sorriso maroto:
"Prepara seu emocional aí que a torcida aqui tá grande pra mamae chegar..."
E eu lhe respondo, mentalmente:
"João, como é grande o meu amor por você, mas sinto muito decepcionar vocês ai. A nossa velhinha, como fênix, de novo renasceu, e tá indo para a casa, sim, mas aqui mesmo, em Cardoso"!
Pito pitou!




Farewell to a mother 5

Mãe
Dizem que preciso 
deixar você ir.
Eu olho para você
com tanto amor.
Chamam de apego.

Tenho feito terapia...
Há anos
Desde seu primeiro envelhecer,
Constelo nossa relação.
Mas se você me olha, 
e me vê, 
de novo, construo
meus castelos...
E te vejo pronta para seguir comigo mais um pouquinho.
Como é difícil soltar sua mão. 

Entao, me fazem repetir frases prontas, que não falam ao meu coração.
Te agradeço, mãe, 
pela minha vida!
Honro sua sabedoria,
sua conduta, 
e até sua dureza.
Confio, 
e te deixo ir...

De uns tempos para cá,
sua idade vinha revelando
um adeus homeopático... 
Uma despedida por partes.

Te escrevo poemas,
Expurgo minha pus,
Lambo minhas feridas,
Exorcizo minha dor
para poder te libertar. 

Somos tão unidas
eu e você 
que temo querer
partir também.

(Só Deus sabe).

Talvez seja a sua hora, mãe.
Mas não minha.

Mãe, eu quero viver.
Tenho tanto ainda para experimentar -
ao meu modo,
as coisas que aprendi 
com você.

Somos tão iguais, mãe.
Você ama rezar,
Eu amo sentir 
Deus em tudo.
Você ama cantar
Eu desafino um pouco
em linguas que você desconhece.
Você adora olhar as flores
Eu amo fotografar 
seus vários tons.

Mas agora a vida 
se apresenta 
como uma grande
obra em preto e branco.
Linda, mas sem cor.

Uma árvore gigante
vai secando devagar,
para rebrotar longe de mim,
noutras primaveras...

Anjos rondam por aqui...
Sera Deus chamando?
 
A chuva anuncia que logo
cores vivas e alucinantes
vão habitar de novo 
o meu jardim.
E eu terei de rega-las
com minhas lágrimas,
que certamente virão, 
junto com todas 
as memórias das suas pegadas por aqui e ali,
desafiando a gravidade, 
caminhando por meus jardins
sem sua bengala...
Orgulhosa de conhecer 
cada flor por seu nome.
Mãe, não te renego 
em hora alguma...
Mas te entrego a fonte,
ao seu amor,
ao criador ...
Embora doa demais 
tornar-me órfã 
desse seu sorriso...

07 set 2022





Farewell to mother 4

Escrevi esses poemas há quase um ano atrás.
Minha guerreira, na época, voltou de SP para a casa dela, segundo o médico, "para morrer junto aos seus".

Que nada!
A fênix de sempre se ergueu gloriosa e ainda passou mais uma temporada comigo na pousada, em janeiro desse ano. Em março, celebrou seus 95 anos com toda a família, numa linda festa em sua casa....

Hoje, novamente me encontro frente a possibilidade de sua partida.

Sei que poderia descrever lindamente esse momento, apesar da tristeza que pesa sobre ele.
Sei de minha capacidade intelectual e emocional para descrever tamanha dor poeticamente.
Mas estou seca, estou muda.
Apesar da idade avançada de mamãe, ela parecia invulnerável, aquela única pessoa que Deus pouparia desse momento de dor.
Só que não.
Foram tirados dela 3 filhos, todos seus irmãos, e também seu único e grande amor, papai. E ela seguiu firme, aparentemente intocável.
Nós, os que ficamos, achamos que ela não teria nada mais para nos dar.
Mas nos deu, a cada dia, em cada momento, e ainda nos dá todo seu amor, através de sua preocupação, e até de suas broncas, sempre tão pontuais. Olhares amorosos sempre acompanhados de um beijo doce soprado em nossa direção...somado ao sorriso mais incrível que se possa testemunhar...
O tempo nao lhe roubou a beleza....

Ja lhe escrevi poemas tao bonitos, que levaram às lágrimas as pessoas que os leram, sejam conhecidos dela ou só meus.
Entretanto, hoje me encontro sem palavras, engasgada com essa impotência contra os novos fatos.
Fatos que não dão margem a fantasia alguma de que minha heroína seja imortal.
Nao sei como lidar com essa realidade. Com médicos me dizendo que o quadro é grave, irreversível na idade dela, e "com todas as comorbidades próprias de alguém dessa idade mais o agravante do COVID-19, dificilmente venceremos a batalha".
E ela nos olha atenta e introspectiva e diz: " filhos, voces precisam me entregar pra Deus!"
Minha mente holística aceita. A intelectual compreende.
Mas o coração da filha, ah, esse não se conforma.
Entao, não!.... Por favor, nao me venham com consolos, palavras vazias.
Melhor que nada digam.
"Sei como se sente!" 
"Agora ela poderá descansar!" 
"Estará com Deus no paraiso" etc etc
são frases que dispenso...
Apenas leiam meu texto. E se emocionem, e sejam solidários fazendo uma oração por ela, por nós, seus filhos, ja quase órfãos agora desse abraço, desse sorriso, desse coração gigante que acolheu nao só sua familia, como uma cidade inteira, cheia de pessoas que lhe querem tanto bem, e que já fazem dela sua eterna miss 3.a idade, reconhecendo a beleza, tanto externa, como interior, de uma guerreira que foi capaz de mover montanhas com sua fé, ajudando a construir a história de Cardoso.
Quem a conhece, sabe. 
Entao, hoje peço:

1.000 ave-marias por dia ela rezou, incansavelmente, por seu filho, agonizante, fora todas as que somaram milhões ao longo de sua vida. Vamos então, por aqui, rezando algumas, na intenção de que Maria não descuide dela nem um minuto, porque, a nós, sua familia humana, talvez não seja possível alcançar a profundidade da prece, dado nossa emoção embargar todos os nossos pedidos, todas as nossas confusas orações. Que Seu Pai Maior, que nunca lhe falhou, mesmo permitindo esse sofrimento, possa ampará-la e, mesmo a um nível inconsciente, sopre nos ouvidos dela todo seu amor....dando a ela confiança profunda caso seja necessária a entrega final... 

Rezemos, ainda que como crianças aflitas e perdidas, por sua recuperação, por seu retorno para junto de nós o mais breve possível e que o Pai nos permita ver esse rosto por muitas vezes ainda, ou lhe permita apenas uma passagem pacífica, com a mesma suavidade que sempre nos transmitiu o seu sorriso, o seu olhar...
Hoje, um pouco zonza de remédios, me disse:
"Fale pro padre Marcon que ele pode contar que a igreja vai ter mais de mil pessoas na missa que ele vai rezar pra mim".
Essa é minha mãe. 
Que assim seja! 
Agosto 2022


farewell to mother 3

Já que a morte é certa,
e dela não me dará escapar,
e se meu corpo deita inerte e inútil.
Se a voz que antes amava cantar 
agora desafina
como uma flauta de bambu rachada,
E as mãos que antes teciam fios, e histórias, agora se fecham, encrispadas,
E dessa boca, antes em risadas, escancarada, hoje 
não sai mais sorriso algum,
dado o coração estar amargo
de tanto se cansar por aí,
em caminhadas e buscas infindas,
Por que, meu Deus, por que
não me deixas partir?


(Set 2021)

Farewell to mother 2

Mamãe, nascida 
sob o signo 
de peixes,
uma sereia,
moça bonita, 
foi tambem grande mulher.
Aos 94, foi virando menininha.
Depois bebê.
Agora passarinho.
Desses que a gente recolhe
quando despencam do ninho.
Uma asinha avariada,
o fôlego aflito...
o corpo custoso....
E vem me acercando, 
em ondas,
um desejo mais ameno
de encaixar seu ser todinho
na concha das minhas mãos.

Aliso, beijo, benzo,
pensando que corpo 
se cura com amor. 
Amor cura é alma...
(Senti lá no fundo,
na calmaria que deu).

Mas passarinho me assusta
ao fechar os olhos
(espelho da dor mais funda).
Uma gotinha translúcida
aparece num cantinho,
feito pérola que derreteu.
Sem querer, choro também.

E, do nada, assim,
de novo,
passarinho quer voar,
peixe querendo mar...
solta as mãos, solta as presilhas...

"Tem sonda, mamãe.
Meu anjo não pode voar!"

"Hein?"
Passarinho, ferido,
flutuando em sonho próprio,
nada compreende....
Suspira
Revira os olhos,
conformada,
e volita de volta para 
um céu que é somente dela,
lá no profundo de um outro mar.
Agosto 2021

Farewell to mother 1

Mamãe parece querer partir todos os dias e isso me assusta.
Preciso tanto de uma coragem que não sei se tenho.
Só saberei quando surgir
o momento último e urgente.
Até lá vou me doendo de medo.
(Ago 2021)

sábado, 11 de julho de 2020

Crônica de minha vida em cor de rosa

61 anos!!! 
Feliz Aniversário pra mim.

Como todo mundo sabe, adoro escrever historias.
Então, no meu aniversário, não poderia falta a crônica da minha vida "em cor de rosa"....


Difícil acreditar que já vivi 61 anos. Mais da metade com certeza do que terei nessa existência.
Até meus 15 anos, vivi uma infância típica de cidadezinha do interior, subindo em árvores, nadando em rios, brincando de bola queimada nas ruas sem asfalto, passando férias na fazenda, onde não havia nem luz elétrica.
Daí talvez a necessidade de desenvolver bem cedo a minha luz interior..... rsrsrsrs.
Na fazenda, passava o dia brincando na beira dos córregos, e a tarde tomava banho de chuveiro de lata; a água, esquentada no fogão a lenha, e as toalhas, feitas dos sacos de farinha S. Jorge. Branquinhas, depois de lavadas,  quaravam no secador feito de trepadeiras. Nossas roupas secavam ao sol, entre flores...
À noite, à luz de lamparinas de querosene, jantávamos a comidinha da tia Fia, e nos servíamos no rabo do fogão, que era mais baixinho, onde as panelas de ferro ou barro
guardavam, quentinhos, o angu, o quiabo, o franguinho caipira, ou a carne de porco de lata. Sabores que permanecem na memória afetiva, apesar dos conceitos terem mudado....
Num canto da enorme cozinha, o tacho de doce de leite borbulhava; A água, bebíamos do pote de argila, onde todos enfiavam a mesma caneca, que era depositada num prato de ágata branca, na cantoneira de madeira escura.
Ninguém pensava em germes, lâmbrias e outros bichos...
Eu dormia com minha irmãzinha e minhas primas numa cama de casal, colchão de capim, depois de ouvirmos estórias de assombração contadas pelos tios, que pareciam ter prazer em nos meter medo.
Nunca tive medo de assombrações. Saia escondida a noite para checar se havia mesmo uma mula sem cabeça ou um saci espreitando lá fora; voltava e  recontava as estórias para os menores, sentindo- me, então, empoderada (e no controle). Dessa forma, acalmava meus disfarçados anseios, que muitas vezes foram gerados e "confirmados"  pelo ranger de uma porta velha, ou por janela, cuja tramela se soltara com o vento, fazendo com que ela se escancarasse de repente no meio da noite...me dando "a certeza" da existência dos fantasmas...
Fantasmas que, se existem, a mim nunca se mostraram, talvez temam eles a mim por minha desvairada coragem...
Essa coragem, porém, é herdada.
De Pai e Mãe.
Mamãe corria o sertão desafiando o patriarcado desde cedo. 
Amava pescar e vivia a beira de córregos e rios, numa época em que era muito comum se deparar com sucuris, cascavéis e jararacas cruzeiro....
Uma vez assistiu a uma cena em que uma jaracuçu atravessava tranquilamente por cima da barriga de papai, que cochilava enquanto esperava ela pescar...
Viu papai acordar e, calmamente aguardar a bicha passar....
Eram muitas histórias de cobras e outros bichos, como onça e javali, além das lendas da mãe do ouro, do curupira e da mãe d' água....
Assim mesmo, nada segurava a molecada, que, de cedo até a hora do almoço, andava pela mata, protegidos apenas pelas orações das mães, e pela própria ingênua inconsequência. Dizem que Deus protege os incautos. E protege mesmo. Até hoje agradeço pela porção extra de bençãos recebidas diariamente....

Aos 15, fui passar um ano nos States, como estudante de intercâmbio. Minha teacher, Neide Romani, adivinhou em mim algum talento que eu mesma ainda desconhecia, mas que tem se revelado ao longo dessa minha caminhada.
Confiou em mim a professora, e também meus pais, que me entregaram ao meu destino sem demonstrar apego, hesitação ou qualquer tipo de controle.
A única pessoinha que quis me impedir de partir foi minha irmã Maria Olimpia, na época com 10 anos. Gritava comigo como gente grande, inconformada pelo meu desapego, e questionava meu amor pela família. Mal sabia ela que eu questionaria o seu amor por mim, quando, aos 23 anos, partiu para sempre, me deixando num vazio difícil de preencher até hoje....

Aos 18, fui para São Paulo estudar.   
Frequentei faculdade formalmente,  mas a escola da vida era toda a cidade de São Paulo, onde vivi outras tantas histórias, muitas escritas a punho, e guardadas nas gavetas do tempo.
Foram muitos anos lecionando inglês e fazendo das minhas aulas verdadeiras sessões de terapia.
Meus alunos sempre me dizendo:
Você devia ter feito psicologia...
Tarde demais pra fazer outra faculdade, já que não sou muito fã de disciplina, mas ainda em tempo para fazer os cursos das técnicas integrativas, que puderam ajudar a mim e a outras pessoas nesse caminho do autoconhecimento.
Caminho esse traçado em solitude, mesmo quando acompanhada, porque para ser de verdade,  é assim que tem que ser. 
A grande vantagem, acho eu,  é que o "projeto da arquitetura" é sempre próprio; então, é você quem decide se, no desenho que faz, coloca mais pedras, mais flores, ou mais espinhos.
Se possível, para torná-lo válido e real, devemos permitir um pouco de cada coisa, sem nos apegar demais aos espinhos.
As pedras, essas podemos contornar, como as curvas feitas pela água num regato,  transformando a falta de simetria e os constantes desequilíbrios em beleza organizada, como quem, driblando a própria ignorância, sempre alcança os objetivos traçados ainda no mundo espiritual, antes de embarcar nessa insólita viagem.

Sem falsa modéstia, sem arrogância, e também sem qualquer tipo de inibição, assumo que sou mesmo uma jóia rara, como já me chamaram.
Nem melhor, nem pior do que ninguém. Mas rara!
Porque essa é a minha história!

Quem quiser checar, vem aqui, conviver um pouquinho comigo, e receber um cadinho daquilo que merecer ter de mim.
Basta abrir bem os ouvidos para minhas tantas histórias, fechar os olhos e se deixar conduzir pelos caminhos que os seus próprios sentidos te levarem, mas ainda assim dentro desse meu Reino Encantado, onde tudo tem o toque inesquecível do amor, que juntei ao longo dessa minha jornada...

Então, hoje, celebro meu aniversário de 61 anos, agradecendo sempre ao Criador, por estar viva, por me permitir estar aqui nessa época tão preciosa, onde podemos, não apenas caminhar placidamente, mas correr, saltitante, rumo ao futuro, por essa estrada que está, a revelia de muitos, nos conduzindo, sim, a uma nova terra....

Gratidão!!!

Maria de Fátima Gouvêa
13 de Julho de 2020